27 de ago. de 2013

Cadê meu iPod?

Assim era o meu iPod, mp3,mp7,mp200, quando eu tinha uns quatro ou cinco anos.  Videogame era caleidoscópio ou olhar através de uma bola de gude. Criança acorda e vai pro programa infantil preferido. Naquele tempo eu ligava a TV (preto e branco) e ficava ouvindo música, que os canais ficavam tocando como se fossem estações de rádio, até a hora em que entrassem no ar, lá pelas 9 da manhã. Felizmente era música de qualidade, e desde cedo tomei contato com clássicos populares do mundo. 


O transistor - bobagem falar em transistor, já quase não existe também, hoje tem milhares deles num circuito integrado; bem, o transistor, era recém-nascido, e o que imperava nos circuitos eletrônicos ainda era a válvula, algo parecido com uma lâmpada, cada uma com características e funções próprias, que combinadas com outros componentes eletrônicos, dava origem aos vários aparelhos eletrônicos possíveis para a época - até computadores!

Meu pai gostava muito de música. Tínhamos em casa uma vitrola e um rádio desses valvulados. Aliás, tivemos vários, pois minha curiosidade sempre fazia algum deles ou os dois, queimarem, e nem sempre dava conserto. Eu gostava muito das duas coisas. Dentre
os LP´s que tínhamos, havia uma coleção da Revista Seleções com grandes orquestras tocando trechos de clássicos populares, que eu ouvia sem parar.

Mas tinha fascinação por aquela caixa de madeira que trazia vozes daqui e de todo lugar do mundo. Não havia FM por aqui ainda. Apenas o AM (ondas médias), de alcance médio, servia às rádio regionais;  e as chamadas ondas curtas, pelas quais, com auxílio de uma
antena, captava-se estações de todo mundo.

Ouvir rádio era um verdadeiro ritual. Primeiro ligava-se o rádio, aí podia-se fazer outra coisa enquanto as válvulas aqueciam e atingiam os níveis de potencia necessários para que o dito começasse a funcionar. Conseguido isso, mudando-se numa chave seletora, para ondas curtas, o ouvinte ia calma e lentamente girando o botão de sintonia até encontrar algum sinal de existência humana, uma música, uma voz, aí era mover a antena (um pedaço de fio) para a melhor posição, e retocar a sintonia até o melhor possível.

No meio da locução ou da música, e entre as estações também, ouvia-se uma profusão de sons, resultado das frequências intermediárias que vinham junto com o sinal. Assobios, apitos, roncos, tudo numa gama de sons que lembra o que os sintetizadores fazem hoje em dia. Não sei se eu gostava mais daquilo ou das rádios, acho que empatava.

Minha rádio preferida era a Deutsche Welle da Alemanha, mas também ouvi muito a Rádio França Internacional, a Voz da América, a BBC, e outras. Se quiser saber mais, leia em
http://www.sarmento.eng.br/Saudosismo.htm

Passava horas das minhas manhãs deitado no chão, ao lado daquela caixa mágica de sons, músicas,vozes e idiomas que eu não entendia, mas imitava todos. É uma lembrança muito rica da minha infância. Depois a miniaturização foi se intensificando, os rádios foram diminuindo de tamanho, passaram a funcionar com pilhas, agregaram outras funções, melhoraram. Mas perderam aquele charme dos velhos valvulados.



Em 1975, foi lançado "Radio-Aktivität (Radio-Activity, em inglês)" do grupo alemão Kraftwerk ( Ralf Hütter, Florian Schneider, Wolfgang Flür e Karl Bartos) que ainda hoje é
referência para quem gosta de música eletrônica, hip-hop e derivados; eles são os pais disso tudo. Usavam computadores e sintetizadores no lugar dos instrumentos convencionais e exploravam sonoridades e timbres de uma forma interessante e criativa.





Para mim ele surgiu alguns anos depois, já adolescente, mas foi uma surpresa muito agradável. É um dos meus discos preferidos até hoje, e com mais de trinta anos de idade, ainda acho moderno, futurista, inovador. E saudosista também. Além disso tem um conteúdo político, vamos dizer. Explico.

Radio-Activity, ou Rádio-Atividade. Podemos interpretar essas palavras de duas maneiras. Atividades do Rádio ou radioatividade. A temática do disco, em primeiro plano é uma homenagem justamente às ondas curtas e aos que as ouviam. É recheado de sonoridades familiares e saudosas para os que como eu, apreciavam aquela maravilha. Parece que ligamos um velho valvulado novamente e embarcamos naquele universo da comunicação à distância por ondas eletromagnéticas. E as melodias e canções são muito bonitas, simples, mas bem construídas, com sensibilidade. 

Embutido, vem a critica, o alerta, sobre o uso da energia nuclear. É como se também ouvíssemos um mundo torpe, devastado por ela. E também uma espécie de profecia, fazendo uma ligação inequívoca, e acho que impossível de não ser feita, entre o magnetismo e a física quântica.  É uma viagem musical, poética e sonora. Para se ouvir sóbrio, bêbado ou em outras circunstâncias psico-emocionais. Começa com um contador Geiger com um pulsar que vai aumentando de ritmo até transformar-se num sinal de SOS e a viagem começa....

Então,fica aqui, pra lembrar do meu "iPod" (apesar de ainda ter o LP, hoje ouço em mp3). Se quiser ter uma ideia do que eram as ondas curtas, ou se quiser relembrá-las, apague a luz, aumente o volume, saia da frente do PC e vá para um lugar mais propício a viagens mentais, e ouça o álbum completo, com direito aos estralos dos lps e tudo, achados no youtube. Alles Gutte!