26 de ago. de 2013

De quem é isso????





Boate Zoom em Santos
Lá pelo fim dos anos 80, quando a Luciana Vendraminni era só uma adolescente causando furor por onde passava, eu tinha uma namorada que gostava de ir a lugares digamos, "badalados", com glamour. Num sábado à noite, a garota decidiu que iríamos à Zoom, uma discoteca "badalada" na época, originária de São  Paulo, mas com sua "filial" em Santos. E lá fomos à  Zoom.  Ficava na praça da Independência, bem no meio do Gonzaga.

Preciso antes dizer que sempre fui averso aos modismos musicais de todas as épocas. Sabe aquela frase "Hay gobierno, soy contra!"? Pois então, algo assim, "Hay musica da moda, soy contra!". Mas o "amor" faz dessas coisas. E lá fui eu à tal discoteca, sabendo de antemão que aquilo seria um tédio para mim.

Bebes e bebes para lá e para cá, à meia-noite em ponto, um som ensurdecedor invadiu o recinto, com sinos tocando, uma seção de metais gritando, um êxtase. Eu nunca havia ouvido algo daquela magnitude (e naquele volume). Até então conhecia e gostava de música clássica, mas estava francamente entusiasmado pelo rock "new wave, e pelo jazz principalmente.



 
De repente, uma caixa clara começa a tocar um som marcial, militar, tudo acelera, freneticamente até o apogeu. Era a abertura da danceteria, coisa corriqueira para quem frequentava aquela casa. Para mim, era um som maravilhoso como eu nunca houvera escutado.


Quando consegui recuperar o fôlego e a surpresa, ainda no meio dos repiques da caixa clara, perguntei à garota: "Nossa, de quem é isso?".




Com uma feição pedante, admirada por minha ignorância, disse soberbamente: "Isso é Mozart".





Nessa época o filme "Amadeus" estourava nas bilheterias, e não pude deixar de assistir, e assistir, e assistir. O filme trata de outro assunto, usando apenas os dois compositores como personagens de algo mais profundo, a inveja e o gênio. Veja ao lado um trechinho, não aconteceu, mas certamente os dois , Salieri e Mozart eram assim, com esse espírito.

Apaixonei-me por sua música (de Mozart), comprei um violino, contratei aulas com a melhor professora de Santos, Dona Marina Agapito. O autor de algo como aquilo que ouvira na boate, sua vida, seu jeito estúpido e imbecil paralelo À sua genialidade impressionante, grudou meus ouvidos a tudo o que consegui comprar a respeito. Minha discoteca, sempre variada e grande, ganhou um elevado número de lp´s com o que havia da Mozartiana à disposição nas melhores e nas piores casas do ramo.





Livros, concertos, documentários, o que surgisse eu devorava. E claro, fui descobrindo a ficção do filme e a realidade da vida do compositor, que fascinou-me ainda mais.

Para quem não viu no vídeo acima, a música em questão, originária desta paixão, deste amor que conservo até hoje, era o finale da "Abertura 1812" de Tchaikovsky...





Não fica de todo ruim, pois Piotr Tchaikovsky era chamado o "novo Mozart", por sua excelência como compositor e pianista. Não há o que discutir.

Mas quem ficou mesmo, com lugar acima dos demais, foi Wolfgang Mozart, de quem pretendo falar  muitas vezes por aqui.

De tantas obras magistrais, perfeitas, deixo para que apreciem e fiquem um pouco curiosos a respeito do título da obra e das suas implicações, a "Maurerische Trauermusik KV 477" ou, traduzido, "Música do funeral maçônico, Kv.K77".  Mozart era maçom? Sim, e falaremos mais disso em outra oportunidade.

Uma de minhas preferidas, por sua perfeição, simplicidade e profundidade. Como disse um maestro, "Beethoven atinge o céu em muitas obras, mas Mozart - vem de lá!".


Protestos e protestos






No 1º da Abril de 1964, e não foi mentira, aconteceu o golpe de 1964. 26 dias depois, na mesma leva que me trouxe, do que eu me lembro, vieram Dinho Ouro Preto e uma recepcionista de um motel em Santos, que sempre olhava pra minha identidade e dizia: "nossa, nascemos no mesmo dia".


Não me lembro de muita coisa desses primeiros anos, meus pais não eram politicamente ativos, embora meu pai em particular fosse dado a leitura diária de jornais e acompanhava com muito interesse o andamento dos acontecimentos. Liberal até certo ponto, com tendências à direita, até certo ponto. Mas não ativista, ou engajado em nada publicamente pró ou contra alguma coisa.



Eu não tinha a mínima noção do que estava acontecendo. Sempre fui uma criança ingênua, com um pé na lua. Lembro que não podia ver um soldado que dava "tchau", adorava ver tanque de guerra e carro de combate na rua, achava o verde-oliva muito bonito, não perdia um 7 de setembro. Mas era coisa de criança, não tinha mesmo ideia do que aquilo representava e nem de que forma isso influía no meu cotidiano ou das outras pessoas.




É interessante, pois a televisão e o rádio, os jornais, não mostravam a realidade, se situações que significavam alguma ameaça geopolítica eram divulgadas, eram sempre em algum outro lugar do planeta, e sempre contra o herói norte-americano. Por estas plagas, tudo às mil maravilhas. "este é um país que vai pra frente" era uma musiquinha que tocava pra tudo quanto é lado, ou as tristes propagandas pró-regime da dupla Dom e Ravel. Lógico que eu cantava essas besteiras com todo o fôlego.
 Na escola havia hasteamento da bandeira, com canto do Hino Nacional Brasileiro, mão direita no peito e tal."Brasil, ame-o ou deixe-o".
Lembro-me que o silêncio imperava em todo canto. Meu pai tinha um barzinho no bairro para o qual nos mudáramos. Nas conversas entre ele e alguns mais íntimos, eu, lá debaixo (eu sempre estava por perto) percebia que falavam de política, das artimanhas da ARENA e dos percalços do MDB. Bastava alguém não conhecido surgir, ou mesmo ser avistado mais à distância, a conversa tomava outro rumo, virava futebol, gozação, qualquer coisa.


uma C-14 da polícia civil
E como tinha gente mal-encarada e desconhecida que aparecia a qualquer hora e qualquer momento, e sumia do mesmo jeito, olhando tudo e todos. Havia o esquadrão da morte, que sumia com as pessoas, pretensamente bandidos, mas a rigor, qualquer um. Lembro de uma madrugada em que uma "C-14" ,o camburão da época; parou na esquina de casa, pessoas desceram, conversa ríspida, alguém jogado no compartimento traseiro, portas batendo fortemente e arrancada. Nunca soube do que se tratou, quem foi a vítima, mas penso nisso até hoje.



Obras gigantescas, um país que crescia para todos os lados, sob todos os aspectos. Essa era a tônica de tudo o que o governo permitia e fazia divulgar. E assim a vida ia seguindo, no faz de conta. Gente protestando, gente sumindo, o sumiço e a notícia do sumiço sumindo também. A insatisfação guardada e crescente num grande parcela do povo, mas tudo calado, confessado a portas muito bem fechadas, pois se poderia a qualquer momento, sem prévio aviso ser abduzido pelo SNI.

Generais sucederam-se, as coisas foram se abrandando até a eleição indireta para presidente, onde um civil voltaria novamente, ao poder, Tancredo Neves, que em vez disso resolveu voltar para o invisível, deixando a bola no pé do José Sarney.


 

Era interessante ver como a resistência fazia das suas para bater no regime, como quem não quer nada. Chico Buarque principalmente. Cada frase tinha um duplo sentido, parecia uma canção de amor e era um tapa na cara do regime, uns desaforos, uma provocação. Eu só consegui ouvir "pra não dizer que não falei das flores" na minha adolescência. Lembro que foi uma festa quando tocou em uma emissora de FM, inteirinha. "Geni e o Zepelim" também. Aqui e ali apareciam uns palavrões em algumas músicas, coisa de criança comparado com o que se ouve hoje.









E a TV?


Tudo comportadinho, seguindo o figurino, não se fala de nada impróprio - entenda-se, contra o governo. Se fizesse o contrário, tanto melhor. Estão aí Globo e SBT para confirmar essa prática. A Globo tem 48 anos e o gole, como eu, 49. O jornal O Globo foi um apoiador de peso dos militares. E lembro bem do Sílvio Santos sempre falando favoravelmente dos generais, das obras do governo, pondo filminhos sobre o que o General presidente da vez fez naquela semana , sempre tem um oportunista, seja qual for a oportunidade.

Essa prosa toda para chegar ao que vimos ultimamente pelo país. A garotada quebrando o pau -e quebrando é um verbo levado a sério, palavra de ordem- por causa de vinte ou trinta centavos de aumento na tarifa de ônibus, e depois por qualquer coisa, algumas vezes deu pra perceber que era por nenhuma coisa, ou por uma coisa genérica como "pelos meus direitos, não te interessa saber quais são".

Não é uma crítica, acho isso muito válido, é sinal de maturidade, de crescimento, mesmo quando os tais oportunistas se infiltram e tiram o seu proveito. Faço apenas comparar com o que eram os protestos no período da ditadura, com era difícil reclamar de alguma coisa, expressar uma ideia ou uma contrariedade mais do que difícil, muito arriscado, podia custar a vida.

E essa garotada cresceu sem saber o que seus pais, e mais provavelmente seus avós - já que tem muito pai e mãe já crescido dentro da democracia- passavam, o cala-boca constante que pairava no ar. E como se pode falar sobre o que bem entender hoje, assumindo claro, a responsabilidade sobre o que falou, mas tendo a LIBERDADE de fazê-lo, com máscara, sem máscara.



Acho que falta apenas canalizar isso, educar-se politicamente, aprender que política não é algo para benefício próprio (isso é herança do regime, dos dedos-duros, dos caçadores de recompensa, que como no tempo da caça às bruxas, deduravam quem queriam tirar do caminho, bruxa ou não).

Descobrir que o bem comum é algo legal. O que é bom pra mim e para os que vivem no mesmo lugar que eu? Vou botar a boca no trombone por isso. Entender que gabinete público não é lugar de troca favores, venda de votos e apoios. Que a rua é onde a voz é mais ouvida, mas que o que é destruído por vandalismo é igual a aceso de loucura dentro da própria casa.

Saber como demorou e foi difícil reconquistar essa possibilidade de poder falar o que quiser e onde quiser deveria ser matéria curricular no ensino oficial e nas conversas entre pais e filhos, para aprendermos a valorizar e aprimorar essa capacidade, e reivindicarmos a vida que nossos impostos nos faz merecedores.